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quarta-feira, 23 de março de 2011
Fado Tropical
Chico Buarque
Oh, musa do meu fado,
oh, minha mãe gentil,
te deixo consternado
no primeiro abril.
Mas não sê tão ingrata!
Não esquece quem te amou
e em tua densa mata
se perdeu e se encontrou.
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal:
ainda vai tornar-se um imenso Portugal!
"Sabe, no fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo ( além da sífilis, é claro). Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, o meu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."
Com avencas na caatinga,
alecrins no canavial,
licores na moringa:
um vinho tropical.
E a linda mulata
com rendas do Alentejo
de quem numa bravata
arrebato um beijo...
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal:
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal!
"Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto,
De tal maneira que, depois de feito,
Desencontrado, eu mesmo me contesto.
Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito,
Me assombra a súbita impressão de incesto.
Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa,
Mas meu peito se desabotoa.
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa,
Pois que senão o coração perdoa".
Guitarras e sanfonas,
jasmins, coqueiros, fontes,
sardinhas, mandioca
num suave azulejo;
e o rio Amazonas,
que corre trás-os-montes
e, numa pororoca,
deságua no Tejo...
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal:
Ainda vai tornar-se um império colonial!
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